Segundo sentença judicial prolatada na 3ª Vara do Guarujá, ação popular n° 0009885-34.2012.8.26.0223, a prefeita do Guarujá Maria Antonieta de Brito também não observou o Artigo 25, inciso III, da Lei n° 8.666/93 para contratar as atrações artísticas dos ¨Festejos Juninos de 2012¨.
Nesta festa se apresentaram Art Popular, Nuance, Inimigos do HP, Sampa Crew, Latitude 10, Rodriguinho, Restart, Pixote, Felipe Streparava, Ricardinho, Algo Mais, Quintessencia, Agamamou, Caju & Castanha, Samprazer, Wesley dos Teclados e Eder Miguel.
Leia a sentença para entender o caso, verbis:
Vistos,
PAULO
CESAR CLEMENTE, com
qualificação nos autos, ajuizou a presente AÇÃO
POPULAR em face da
MARIA ANTONIETA DE
BRITO, STYLLUS CARD COMUNICAÇÕES LTDA ME. e PREFEITURA MUNICIPAL DE
GUARUJÁ, igualmente
qualificados, pretendendo, em síntese, a declaração de nulidade,
ilegalidade e invalidade do contrato administrativo entabulado entre
a Prefeitura local e a empresa ré para realização de shows
musicais para os festejos juninos de 2012, eis que não procedida da
devida licitação, com a condenação dos requeridos,
solidariamente, a devolverem aos cofres públicos, todos os valores
pagos referentes à contratação em debate.
Dando à causa o valor de R$
100.000,00, juntou com a exordial os documentos de fls. 09/45.
A liminar pleiteada foi
concedida (fls. 55/57) e suspensa, em seguida, pelo E. Tribunal de
Justiça (fls. 71/73).
A Prefeitura Municipal
juntou aos autos cópia do processo administrativo que deu origem ao
contrato impugnado na exordial (fls. 106/266) e apresentou defesa
(fls. 85/101), sustentando a regularidade da empresa contratada, bem
como ausência de lesividade e ilegalidade na contratação
impugnada.
A ré Styllus Card
Comunicações Ltda ME, por seu turno, apresentou defesa a fls.
302/312, alegando, preliminarmente, litigância de má fé do autor
popular para, no mérito, apontar que detinha a exclusividade das
apresentações dos artistas contratados, exercendo papel de
empresária intermediadora exclusiva e sustentar ausência de lesão
ao erário público, uma vez que não houve comprovação de valor
exagerado ou exacerbado na contratação.
Maria Antonieta de Brito
também apresentou contestação (fls. 319/39), alegando,
preliminarmente, inépcia da inicial para, no mérito, sustentar
ausência de ilegalidade e lesividade.
Réplica a fls. 353/356.
É o relatório.
D E C I D O.
A controvérsia em debate
comporta julgamento antecipado por ser desnecessária a produção de
outras provas além da documental já alinhavada.
A preliminar arguida na
defesa apresentada pela Prefeita Maria Antonieta se confunde
plenamente com o mérito e com ele será analisada.
No mais, com relação à
questão de fundo propriamente dita, o pedido é procedente.
Os requeridos, para
justificarem a contratação da empresa ré sem licitação,
informaram que esta detinha a exclusividade das apresentações dos
artistas contratados.
Os documentos juntados a
fls. 120, 125, 135, 137, 139, 146, 148, 151, 155, 176182, 190 e 193
informam que, de fato, os artistas ou quem os representam concederam
exclusividade à empresa Styllus Card para a realização das
apresentações do Festejo Junino de 2012 nesta Comarca.
No entanto, o processo
administrativo instaurado para apurar a possibilidade de
inexigibilidade de licitação inicia com programação já
estipulada pela empresa Styllus Card (fls. 107/110), sem qualquer
interferência da Municipalidade sobre quais artistas seriam
contratados.
Ou seja, a empresa ré,
desde o inicio do procedimento administrativo, já se portava como
promotora do evento contratado.
Sem prejuízo, a programação
por ela apresentada é do dia 21 de maio de 2012 (fls. 108).
Nesta data as exclusividades
propagandeadas nos documentos acima mencionados ainda nem existiam.
Foram elaboradas em datas posteriores.
Diante deste quadro, forçoso
reconhecer que a exclusividade noticiada nas defesas apresentadas
pelos réus foi, sem sombra de dúvidas, fabricada,
possibilitando-se, com isso, por via transversa, a alegação de
inexigibilidade de licitação com base no art. 25, III, da Lei de
Licitações.
A ilicitude na contratação
sem licitação, portanto, é flagrante.
Não se pode olvidar, ainda,
que a Lei de Licitações impõe que a contratação por
inexigibilidade de licitação de artista de renome seja feito com o
artista ou com seu representante exclusivo.
E, por representante
exclusivo, é obvio que a lei quis se referir àquele que cuida de
todos os contratos do artista, que gerencia a sua carreira, que firma
negócios e faz declarações em seu nome, que o substitui em
aspectos burocráticos, permitindo que o artista se dedique somente à
sua atividade principal.
Caso contrário,
intermediários, que não possuem qualquer vínculo permanente com o
artista, podem se prevalecer de uma autorização descartável e, às
vezes, imposta ao artista, que também dela se prevalece, para
possibilitar a contratação sem licitação e, ao final, adicionar
ágio ao valor cobrado pelo artista.
Trazendo tais parâmetros ao
caso em concreto é possível verificar, ainda, nas cartas de
exclusividade juntadas nas defesas, que os artistas contratados, na
verdade, possuem terceiras empresas gerenciando suas carreiras, com
exclusividade permanente.
Estas é que deveriam ser
contratadas para a realização do evento. E não intermediários com
exclusividades fabricadas com o único propósito de burlar a lei.
Ademais, a empresa Styllus
Card não possui aparato logístico ou econômico para tratar, com
exclusividade, dos contratos de artistas consagrados no meio
artístico.
Pelo menos não trouxe
qualquer documento que indicasse a realização de outros eventos com
os artistas contratados, outras atividades semelhantes e do porte da
Festa Junina realizada nesta cidade, assim como o balanço
patrimonial da empresa para aferir sua capacidade econômica frente
ao evento noticiado.
Por fim, destaco, ainda, que
dentre suas finalidades sociais não se encontra a prestação de
serviços como representante exclusivo de artistas.
A ilegalidade da
contratação, olhando por este outro parâmetro, também é
evidente.
Resumindo, a exclusividade
fabricada para impor a inexigibilidade da licitação pode ser
extraída por dois motivos: a) a empresa Styllus Card quando se
apresentou como detentora da exclusividade dos artistas contratados
já se portava como promotora do evento em que tais artistas iriam se
apresentar, mas ainda não detinha as cartas de exclusividade
mencionadas para justificar a inexigibilidade da licitação; b) a
empresa Styllus Card não tem por finalidade social a detenção de
exclusividade de artistas de renome e os documentos descartáveis de
fls. 120, 125, 135, 137, 139, 146, 148, 151, 155, 176182, 190 e 193,
que tratam da suposta exclusividade, não são suficientes para dar a
ela a caracterização de empresário exclusivo que a Lei de
Licitações impõe para excepcionar a regra de que toda a
contratação da Municipalidade deve vir acompanhada de um
procedimento licitatório.
Com a ilegalidade bem
delimitada, resta aferir a suposta lesividade ao erário.
Neste aspecto, entendo que a
contratação ilegal perpetrada impediu que a Administração Pública
encontrasse melhores preços e opções do mundo artístico, causando
evidente lesão aos cofres públicos.
Ademais, a nulidade do
contrato administrativo opera efeitos “ex tunc”, acarretando a
devolução das quantias desembolsadas para efetivá-lo.
Seria extremamente
incoerente decretar a nulidade de um contrato administrativo sem a
devolução do valor nele envolvido.
Já quanto ao argumento de
que a condenação dos réus ao ressarcimento dos valores acarretaria
o enriquecimento ilícito da Municipalidade, é imperioso destacar
que “a presunção
de lesividade desses atos ilegais é fácil intuir. Se o ordenamento
jurídico obriga o procedimento licitatório, para o cumprimento da
isonomia e da moralidade da Administração, o esquivar-se a esse
procedimento constitui inequívoca lesão à coletividade. Será esta
ressarcida pela devolução do dispêndio à revelia do procedimento
legal. Aquele que praticou os atos terá agido por sua conta, risco e
perigo. Ainda que pronta a obra, entregue o fornecimento ou prestado
o serviço, se impassível de convalidação o ato praticado,
impõe-se a devolução. Não estaremos diante do chamado
enriquecimento sem causa. Isso porque o prestador do serviço, o
fornecedor ou executor da obra serão indenizados, na medida em que
tiverem agido de boa-fé. Entretanto a autoridade superior que
determinou a execução sem as cautelas legais, provada sua culpa (o
erro inescusável ou o desconhecimento da lei) deverá, caso se negue
a pagar espontaneamente, em ação regressiva indenizar o erário por
sua conduta ilícita. O patrimônio enriquecido, o da comunidade e
nunca o da Administração (pois esta é a própria comunidade) não
terá sido com ausência de título jurídico. Mas sim, em
decorrência de uma lesão aos valores fundamentais, como o da
moralidade administrativa. Compete à parte, e não à Administração,
a prova de que o dano, decorrente da presunção da lesividade, é
menor do que a reposição integral”
(grifos nossos). (Lúcia Valle Figueiredo e Sérgio Ferraz Dispensa e
inexigibilidade de licitação São Paulo, Malheiros, 3ª ed, 1993).
Resumindo: a obrigação de
indenizar nasce da prática do ato nulo, causadora de presumido dano
à moralidade administrativa, cuja mensuração, para efeito de
reparação material, tem por parâmetro o efetivo dispendio feito
pelo erário, como decorrentes das despesas forçadas pelo ato ilegal
(STF/TFR - Lex 48/202-203).
Aliás, estivessem os
corréus de boa-fé, teriam vindo aos autos para prestar contas, na
forma contábil, da aplicação do dinheiro e o quanto foi pago
efetivamente aos artistas para realização dos shows contratados.
Nada fizeram a este
respeito, devendo sofrer as consequências de suas desídias.
Diante do exposto e
considerando tudo o mais que dos autos consta, julgo PROCEDENTE
o pedido inicial para declarar a nulidade do contrato apontado na
exordial, bem como para condenar os réus, solidariamente, à
devolução ao erário da quantia referente ao contrato ora anulado,
no valor de R$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais), que
deverá ser corrigido monetariamente a partir da distribuição da
ação, acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês,
contados a partir da citação.
Condeno os réus, ainda, no
pagamento das custas e despesas processuais, bem como nos honorários
advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do valor atualizado da
condenação.
P.R.I.Ciência ao Ministério
Público.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação Cível n° 0009885-34.2012.8.26.0223, manteve a decisão de primeiro grau.
AÇÃO POPULAR - LICITAÇÃO -
EXIGIBILIDADE - Contratação de artista por intermédio de empresa com
carta de exclusividade - Pretensão de reconhecimento de "exclusividade
fabricada" - Ocorrência - Ausência de contratação diretamente com o
artista - Cartas de exclusividade irregulares que se mostram
insuficientes para a contratação - Contrato nulo - Dolo e dano ao erário
configurados - Não reconhecimento da litigância de má-fé por parte do autor da ação popular. Provimento, em parte, do apelo da ré, para excluir do da restituição reparadora o valor dos cachês efetivamente pagos aos artistas, apurado em liquidação - Apelo do Município provido, em parte,
para dele afastar o pagamento de custas e despesas de que está isento.
Encargos de sucumbência, incluindo verba honorária fixada na sentença,
repartidos na proporção de dois terços para os réus e um terço para o
autor. Apelos em parte providos.
Maria Antonieta de Brito recorreu da decisão do TJ ao Superior Tribunal de Justiça em 14/11/2014.