domingo, 30 de agosto de 2015

A ¨exclusividade fabricada¨ e o ¨ágio¨ artístico na Festa Junina de 2012 do Guarujá



Segundo sentença judicial prolatada na 3ª Vara do Guarujá, ação popular n° 0009885-34.2012.8.26.0223, a prefeita do Guarujá Maria Antonieta de Brito também não observou o Artigo 25, inciso III, da Lei n° 8.666/93 para contratar as atrações artísticas dos ¨Festejos Juninos de 2012¨.

Nesta festa se apresentaram Art Popular, Nuance, Inimigos do HP, Sampa Crew, Latitude 10, Rodriguinho, Restart, Pixote, Felipe Streparava, Ricardinho, Algo Mais, Quintessencia, Agamamou, Caju & Castanha, Samprazer, Wesley dos Teclados e Eder Miguel. 

Leia a sentença para entender o caso, verbis:

Vistos,



PAULO CESAR CLEMENTE, com qualificação nos autos, ajuizou a presente AÇÃO POPULAR em face da MARIA ANTONIETA DE BRITO, STYLLUS CARD COMUNICAÇÕES LTDA ME. e PREFEITURA MUNICIPAL DE GUARUJÁ, igualmente qualificados, pretendendo, em síntese, a declaração de nulidade, ilegalidade e invalidade do contrato administrativo entabulado entre a Prefeitura local e a empresa ré para realização de shows musicais para os festejos juninos de 2012, eis que não procedida da devida licitação, com a condenação dos requeridos, solidariamente, a devolverem aos cofres públicos, todos os valores pagos referentes à contratação em debate.



Dando à causa o valor de R$ 100.000,00, juntou com a exordial os documentos de fls. 09/45.



A liminar pleiteada foi concedida (fls. 55/57) e suspensa, em seguida, pelo E. Tribunal de Justiça (fls. 71/73).



A Prefeitura Municipal juntou aos autos cópia do processo administrativo que deu origem ao contrato impugnado na exordial (fls. 106/266) e apresentou defesa (fls. 85/101), sustentando a regularidade da empresa contratada, bem como ausência de lesividade e ilegalidade na contratação impugnada.


A ré Styllus Card Comunicações Ltda ME, por seu turno, apresentou defesa a fls. 302/312, alegando, preliminarmente, litigância de má fé do autor popular para, no mérito, apontar que detinha a exclusividade das apresentações dos artistas contratados, exercendo papel de empresária intermediadora exclusiva e sustentar ausência de lesão ao erário público, uma vez que não houve comprovação de valor exagerado ou exacerbado na contratação.



Maria Antonieta de Brito também apresentou contestação (fls. 319/39), alegando, preliminarmente, inépcia da inicial para, no mérito, sustentar ausência de ilegalidade e lesividade.



Réplica a fls. 353/356.



É o relatório.



D E C I D O.



A controvérsia em debate comporta julgamento antecipado por ser desnecessária a produção de outras provas além da documental já alinhavada.



A preliminar arguida na defesa apresentada pela Prefeita Maria Antonieta se confunde plenamente com o mérito e com ele será analisada.



No mais, com relação à questão de fundo propriamente dita, o pedido é procedente.



Os requeridos, para justificarem a contratação da empresa ré sem licitação, informaram que esta detinha a exclusividade das apresentações dos artistas contratados.



Os documentos juntados a fls. 120, 125, 135, 137, 139, 146, 148, 151, 155, 176182, 190 e 193 informam que, de fato, os artistas ou quem os representam concederam exclusividade à empresa Styllus Card para a realização das apresentações do Festejo Junino de 2012 nesta Comarca.



No entanto, o processo administrativo instaurado para apurar a possibilidade de inexigibilidade de licitação inicia com programação já estipulada pela empresa Styllus Card (fls. 107/110), sem qualquer interferência da Municipalidade sobre quais artistas seriam contratados.



Ou seja, a empresa ré, desde o inicio do procedimento administrativo, já se portava como promotora do evento contratado.



Sem prejuízo, a programação por ela apresentada é do dia 21 de maio de 2012 (fls. 108).



Nesta data as exclusividades propagandeadas nos documentos acima mencionados ainda nem existiam. Foram elaboradas em datas posteriores.



Diante deste quadro, forçoso reconhecer que a exclusividade noticiada nas defesas apresentadas pelos réus foi, sem sombra de dúvidas, fabricada, possibilitando-se, com isso, por via transversa, a alegação de inexigibilidade de licitação com base no art. 25, III, da Lei de Licitações.



A ilicitude na contratação sem licitação, portanto, é flagrante.



Não se pode olvidar, ainda, que a Lei de Licitações impõe que a contratação por inexigibilidade de licitação de artista de renome seja feito com o artista ou com seu representante exclusivo.



E, por representante exclusivo, é obvio que a lei quis se referir àquele que cuida de todos os contratos do artista, que gerencia a sua carreira, que firma negócios e faz declarações em seu nome, que o substitui em aspectos burocráticos, permitindo que o artista se dedique somente à sua atividade principal.



Caso contrário, intermediários, que não possuem qualquer vínculo permanente com o artista, podem se prevalecer de uma autorização descartável e, às vezes, imposta ao artista, que também dela se prevalece, para possibilitar a contratação sem licitação e, ao final, adicionar ágio ao valor cobrado pelo artista.



Trazendo tais parâmetros ao caso em concreto é possível verificar, ainda, nas cartas de exclusividade juntadas nas defesas, que os artistas contratados, na verdade, possuem terceiras empresas gerenciando suas carreiras, com exclusividade permanente.



Estas é que deveriam ser contratadas para a realização do evento. E não intermediários com exclusividades fabricadas com o único propósito de burlar a lei.



Ademais, a empresa Styllus Card não possui aparato logístico ou econômico para tratar, com exclusividade, dos contratos de artistas consagrados no meio artístico.



Pelo menos não trouxe qualquer documento que indicasse a realização de outros eventos com os artistas contratados, outras atividades semelhantes e do porte da Festa Junina realizada nesta cidade, assim como o balanço patrimonial da empresa para aferir sua capacidade econômica frente ao evento noticiado.



Por fim, destaco, ainda, que dentre suas finalidades sociais não se encontra a prestação de serviços como representante exclusivo de artistas.



A ilegalidade da contratação, olhando por este outro parâmetro, também é evidente.



Resumindo, a exclusividade fabricada para impor a inexigibilidade da licitação pode ser extraída por dois motivos: a) a empresa Styllus Card quando se apresentou como detentora da exclusividade dos artistas contratados já se portava como promotora do evento em que tais artistas iriam se apresentar, mas ainda não detinha as cartas de exclusividade mencionadas para justificar a inexigibilidade da licitação; b) a empresa Styllus Card não tem por finalidade social a detenção de exclusividade de artistas de renome e os documentos descartáveis de fls. 120, 125, 135, 137, 139, 146, 148, 151, 155, 176182, 190 e 193, que tratam da suposta exclusividade, não são suficientes para dar a ela a caracterização de empresário exclusivo que a Lei de Licitações impõe para excepcionar a regra de que toda a contratação da Municipalidade deve vir acompanhada de um procedimento licitatório.



Com a ilegalidade bem delimitada, resta aferir a suposta lesividade ao erário.



Neste aspecto, entendo que a contratação ilegal perpetrada impediu que a Administração Pública encontrasse melhores preços e opções do mundo artístico, causando evidente lesão aos cofres públicos.



Ademais, a nulidade do contrato administrativo opera efeitos “ex tunc”, acarretando a devolução das quantias desembolsadas para efetivá-lo.



Seria extremamente incoerente decretar a nulidade de um contrato administrativo sem a devolução do valor nele envolvido.



Já quanto ao argumento de que a condenação dos réus ao ressarcimento dos valores acarretaria o enriquecimento ilícito da Municipalidade, é imperioso destacar que “a presunção de lesividade desses atos ilegais é fácil intuir. Se o ordenamento jurídico obriga o procedimento licitatório, para o cumprimento da isonomia e da moralidade da Administração, o esquivar-se a esse procedimento constitui inequívoca lesão à coletividade. Será esta ressarcida pela devolução do dispêndio à revelia do procedimento legal. Aquele que praticou os atos terá agido por sua conta, risco e perigo. Ainda que pronta a obra, entregue o fornecimento ou prestado o serviço, se impassível de convalidação o ato praticado, impõe-se a devolução. Não estaremos diante do chamado enriquecimento sem causa. Isso porque o prestador do serviço, o fornecedor ou executor da obra serão indenizados, na medida em que tiverem agido de boa-fé. Entretanto a autoridade superior que determinou a execução sem as cautelas legais, provada sua culpa (o erro inescusável ou o desconhecimento da lei) deverá, caso se negue a pagar espontaneamente, em ação regressiva indenizar o erário por sua conduta ilícita. O patrimônio enriquecido, o da comunidade e nunca o da Administração (pois esta é a própria comunidade) não terá sido com ausência de título jurídico. Mas sim, em decorrência de uma lesão aos valores fundamentais, como o da moralidade administrativa. Compete à parte, e não à Administração, a prova de que o dano, decorrente da presunção da lesividade, é menor do que a reposição integral” (grifos nossos). (Lúcia Valle Figueiredo e Sérgio Ferraz Dispensa e inexigibilidade de licitação São Paulo, Malheiros, 3ª ed, 1993).



Resumindo: a obrigação de indenizar nasce da prática do ato nulo, causadora de presumido dano à moralidade administrativa, cuja mensuração, para efeito de reparação material, tem por parâmetro o efetivo dispendio feito pelo erário, como decorrentes das despesas forçadas pelo ato ilegal (STF/TFR - Lex 48/202-203).



Aliás, estivessem os corréus de boa-fé, teriam vindo aos autos para prestar contas, na forma contábil, da aplicação do dinheiro e o quanto foi pago efetivamente aos artistas para realização dos shows contratados.

Nada fizeram a este respeito, devendo sofrer as consequências de suas desídias.



Diante do exposto e considerando tudo o mais que dos autos consta, julgo PROCEDENTE o pedido inicial para declarar a nulidade do contrato apontado na exordial, bem como para condenar os réus, solidariamente, à devolução ao erário da quantia referente ao contrato ora anulado, no valor de R$ 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil reais), que deverá ser corrigido monetariamente a partir da distribuição da ação, acrescido de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, contados a partir da citação.



Condeno os réus, ainda, no pagamento das custas e despesas processuais, bem como nos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) do valor atualizado da condenação.


P.R.I.Ciência ao Ministério Público.


O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Apelação Cível n° 0009885-34.2012.8.26.0223, manteve a decisão de primeiro grau.
AÇÃO POPULAR - LICITAÇÃO - EXIGIBILIDADE - Contratação de artista por intermédio de empresa com carta de exclusividade - Pretensão de reconhecimento de "exclusividade fabricada" - Ocorrência - Ausência de contratação diretamente com o artista - Cartas de exclusividade irregulares que se mostram insuficientes para a contratação - Contrato nulo - Dolo e dano ao erário configurados - Não reconhecimento da litigância de má-fé por parte do autor da ação popular. Provimento, em parte, do apelo da ré, para excluir do da restituição reparadora o valor dos cachês efetivamente pagos aos artistas, apurado em liquidação - Apelo do Município provido, em parte, para dele afastar o pagamento de custas e despesas de que está isento. Encargos de sucumbência, incluindo verba honorária fixada na sentença, repartidos na proporção de dois terços para os réus e um terço para o autor. Apelos em parte providos. 

Maria Antonieta de Brito recorreu da decisão do TJ ao Superior Tribunal de Justiça em 14/11/2014.

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